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Madugada Até o Fim

Novo ålbum lançado em junho de 2024 no teatro do Sesc Pompéia em São Paulo traz treze canções e treze pinturas

Madrugada Até o Fim

"Madrugada Até o Fim", de Manu Maltez, 

 

Em celebração a seus 25 anos de carreira, o artista Manu Maltez lançou em junho do 2024,  no Teatro do Sesc Pompeia o álbum "Madrugada Até o Fim" ao lado de uma série de pinturas em diálogo com o estado mítico e filosófico que envolve o período da meia-noite à alvorada 

 

Na época em que preparava sua individual na galeria São Paulo Flutuante, espaço do qual também foi sócio, Manu Maltez acabou incumbido de cuidar de uma coruja cujo dono havia viajado para fora do país, que foi rebatizada por ele de Madrugada. Ali, um galpão na Barra Funda, onde o artista morou durante os meses em que se dedicou à produção de pinturas murais e em tela, além de esculturas em pedra sabão, a ave o acompanhou voando de um lado para outro sem nunca se deixar domesticar. Certa noite, fugiu por um buraco no telhado e, a despeito dos inúmeros cartazes que foram distribuídos em postes e muros da Barra Funda (Procura-se coruja. Atende por Madrugada),  jamais foi encontrada.

 

A escolha do nome, em referência ao período de tempo entre a meia-noite e o nascer do dia, não foi mero acaso, já que a madrugada sempre foi objeto de fascínio para Manu Maltez. Não apenas por ser o período em que mais gosta de trabalhar e por abrigar a boêmia, mas principalmente por seu mistério. "Mesmo que os algoritmos não durmam, e que mais da metade da população mundial hoje em dia sofra com algum tipo de insônia(talvez justamente por conta disso), a madrugada segue sendo aquele período entre a meia noite e a alvorada, onde a maioria descansa um pouco, ou melhor, desmaia; o ritmo frenético da grana; o rame-rame da propaganda a qualquer custo diminuem, as luzes baixam, um certo silêncio ainda é possível e as leis e as convenções sociais se afrouxam. Nesse cenário que evoca à madrugada mítica, universal, de todos os tempos, talvez ainda seja possível que certos projetos obscuros alcem voo, que certas movimentações escusas se desenrolem, gosto de pensar que esse meu novo trabalho é uma delas. Berçário de íncubos, súcubos, líquens, sacis/ consulado de sambistas, prostitutas, cangaceiros, pobres diabos, santos ruins, a madrugada, palavra a essas alturas sem sinônimo, tradução, sempre me provocou medo, fascínio, devoção, desde criança”

 

E é por esse motivo que "Madrugada Até o Fim", seu quinto álbum, surge agora como uma espécie de bravata, uma bandeira em prol da eterna madrugada. Lançado pelo selo YB, o disco foi produzido por Caê Rolfsen, que gravou diversos instrumentos, como cavaquinho e samples, assinou os arranjos ao lado de Maltez e foi corresponsável por imprimir ao trabalho uma sonoridade que flerta com o fantástico. Transborda das letras para a composição musical uma vez que, em "Madrugada Até o Fim", mesmo quando o samba convida à dança e quase anuncia a primeira claridade da manhã, a noite se impõe novamente e impede a alvorada. 

 

Nessa produção, que levou mais de dois anos, também participam Thais Nicodemo (piano preparado), Maria "Mange" Valencia (instrumentista do grupo colombiano Meridian Brothers, no clarinete), Rafa Barreto (rabeca e guitarra), Thomas Harres (bateria), além de Alessandra Leão (voz), Assucena (voz) e Lourenço Mutarelli (voz). O escritor e desenhista já realizou diversas parcerias com Manu Maltez e coproduziu a faixa "Reptiliana", composta a partir do livro "O Filho Mais Velho de Deus e/ou Livro IV" (Cia das Letras), que narra a história de um caso entre um homem com identidade trocada e uma mulher suspeita de ser um lagarto. 

 

À diferença dos outros discos de Manu Maltez, cujas canções orbitam em torno de uma única história, caso de "O Diabo Era Mais Embaixo" (Selo Sesc, 2013) ou "O Rabequeiro Maneta" (Rumos Itaú Cultural, 2016), as treze faixas de "Madrugada Até o Fim" foram trabalhadas de forma independente. "São canções solitárias, reflexivas, cada uma com a sua razão de ser, porém soltas nesse mesmo espaço que é uma eterna madrugada", diz o artista. "São insones, mas cheias de luz, como aqueles peixes abissais, que, diante do breu mais profundo, deram um jeito de fazer luz a partir deles mesmos, o que remete muito à forma como ilumino as minhas pinturas.”

A atmosfera que acompanha as treze canções do disco se expande para as treze pinturas que foram realizadas no mesmo período e agora serão expostas no Sesc Pompeia. Não é algo novo para Manu Maltez, que está acostumado a trabalhar entre diferentes linguagens. Seu álbum “O Diabo Era Mais Embaixo", por exemplo, é uma espécie de fábula faustiana sobre a origem do timbre do contrabaixo e se desdobra em livro ilustrado e média-metragem com atuação de Lourenço Mutarelli. Já "O Rabequeiro Maneta e a Fúria da Natureza", um “cordel noir” que traz um romance sobre membros fantasmas, ganhou as formas de disco, livro e curta de animação.

 

O que diferencia o projeto atual, no entanto, é a aproximação de Maltez com uma nova técnica (a pintura) e suas possibilidades para o uso da cor – ao longo de sua trajetória, ele vinha se dedicando à gravura e ao desenho, utilizando sobretudo o preto. Agora, na realização dos novos trabalhos, os traços ganham densidade, mas mantêm a ambiguidade da madrugada até mesmo na escolha dos suportes. O uso de biombos, que levam ao espaço público a memória do ambiente doméstico, fornecem diferentes ângulos e perspectivas para as fábulas contemporâneas criadas por Maltez. "Tanto o disco como as pinturas estão embebidos nesse líquido amniótico que é a madrugada", ele conclui. 

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