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Rasif - Mar que arrebenta

 

Livro de contos do escritor pernambucano Marcelino Freire acompanhado de gravuras de Manu Maltez

 

"Amor é a mordida de um cachorro pitbull que levou a coxa 

da Laurinha e a bochecha do Felipe. Amor que não larga. Na raça.

Amor que pesa uma tonelada. Amor que deixa. Como todo grande amor.

A sua marca. Amor é o tiro que deram no peito do filho da dona Madalena.

E o peito do menino ficou parecendo uma flor. Até a polícia chegar e levar tudo embora. Demorou. Amor que mata. Amor que não tem pena.

Amor é você esconder a arma em um buquê de rosas.

E oferecer ao primeiro que aparecer. De carro importado.

De vidro fumê. Nada de beijo. Amor é dar um tiro no ente querido se ele tentar correr. Amor é o bife acebolado que a minha mulher fez para aquele pentelho comer. Filhinho de papai. Lá no cativeiro. Por mim ele morria seco. Mas sabe como é. Coração de mãe não gosta de ver ninguém sofrer.

Amor é o que passa na televisão. Bomba no Iraque. Discussão de reconstrução. Pois é. Só o amor constrói. Edifícios. Condomínios fechados. E bancos. O amor invade. O amor é também o nosso plano de ocupação.

Amor que liberta. Meu irmão. Amor que sobe. Desce o morro. 

Amor que toma a praça. Amor que de repente nos assalta.

Sem explicação. Amor salvador. Cristo mesmo quem nos ensinou.

Se não houver sangue. Meu filho. Não é amor."

 

 

Marcelino Freire - Trecho do livro Rasif

 

Editora Record 2008

"(...)Completando este salto, estão as ilustrações de Manu Maltez, gravuras em água forte que não ilustram os contos, mas que traduzem a fluidez do traçado desconcertante do artista, com figuras que oscilam num premente movimento, alterando-se de figuras humanas clássicas a animais e formas grotescas: impuros seres convertidos em mãos, feras míticas, aves que se convertem em onda, como a que ilustra a capa. Fortes águas, vozes de arrebentação. Rasif traz narrativas e formas que não se contém quietas, que precisam saltar, ganhar espaço no mundo.

 

Rudes e acérrimos, subversivos, bailarinos, radicalmente negros (na contra-corrente da literatura noir), os contos de Marcelino Freire em Rasif, mar que arrebenta não se prestam ao limite do papel. Assentam mal, parecem não pertencer à classe da literatura que se imprime impunemente em nossos dias. Inquietantes, vertem sangue, dançam, batucam, aspiram o trânsito, o salto para fora do objeto-livro que os contêm. Por isso mesmo, faz-se válida a afirmação do autor de que seus contos são para serem lidos em voz alta.

 

Acatemos essa voz, cantemos e cirandemos, sem pudor, nas águas fortes de Rasif.""

 

Resenha publicada no site literário Cronópios em 2008

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